quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O que era necessário

Muito se fala na revisão constitucional, mas a coisa não vai ficar por aí.
Chegou-me às mãos o projecto de alteração ao código penal, com as actas da comissão revisora.
Basicamente, introduz-se um novo título, o VI, lugar de destaque, pois surge a seguir ao preceituado no título "Dos crimes contra o Estado". Veja-se,assim, a importância do tema. E que tema é este, pergunta o leitor intrigado?
Vejamos então, desde já o 1º artigo:


Título VI
Dos Crimes de Lesa Doutor

Capítulo I
Da delimitação de Doutor

Artigo 387º
Conceito de Doutor

1-Para efeito da lei penal, considera-se doutor toda aquela pessoa de bem, porte altivo, e sentido de si próprio sobre todos os demais.

Comentário:
A introdução deste novo título, a seguir aos crimes contra o Estado, prova bem a importância que o legislador confere ao tema. A figura de doutor constitui algo superior à própria comunidade nacional, devendo esta submeter-se - em caso de conflito de interesses - aos desejos do primeiro.
Nem tal poderia ser diferente nos dias que hoje correm, com a falta de padrões de conduta que a todos nos vexam.
O doutor é, na acepção do texto, um farol ético que deve nortear todos os demais.
Nota-se na definição um certo padrão derivado do existencialismo. O doutor é!
A sua existência basta-se com o sentido de si próprio.Os outros que se amanhem...
No aforismo do autor romano Teutónio:
"is liberalis est non fimus! is liberalis est vero a valde maximus vir."
(este cavalheiro não é um merdas!este cavalheiro é um doutor.)


2-São sinais indicadores da condição de doutor:

a) o cabelo puxado para trás com gel;

b)ter três filhos, alourados e com ar de parvo. Os filhos poderão ter nomes como Constança, Carminho, Salvador ou Bernardo;

c)ser condutor de automóvel de grande cilindrada, conduzindo como um selvagem no meio do trânsito;

d) ir regularmente à tourada;

e) ser gestor de uma pequena empresa, com todos os colaboradores a recibos verdes e sem descontos legais;

f) ser gestor de uma pequena empresa e portar-se como se fosse dono da microsoft;

g) andar com os saldos bancários e cartões de crédito nas lonas e ir ao banco berrar com os funcionários porque não lhe pagaram a luz;

h) andar de polo ao fim de semana;

i) ir aos concertos dos Supertramp, ou outra banda qualquer, a quem já ninguém no seu pleno juízo liga;

j) ser contra o aborto, a menos que a filha Carminho engravide do Thomaz;

k) exigir ser tratado por doutor ou engenheiro, com o 12º ano por acabar;

Comentário:
Este elenco é meramente indicativo, como prova a expressão "indicadores".
Nem a própria lei poderia limitar um doutor.O doutor faz o que lhe dá na telha e acabou, ponto final.
Não obstante, podemos facilmente, face ao elenco, constatar empiricamente vários doutores na rua. Cuidado pois...

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